Nasci em 03 de Março de 1966, na maternidade Frederico Ozanan e sou o do meio dos sete filhos (Paulo José, Ivanete, Waldecy, Eu, Maria de Lourdes, Ivânia e Marcos) de Efigênia e José Delfino, sendo criado no bairro Olhos D'água, que fica situado próximo ao encontro da BR 262 com 040, em Belo Horizonte. Nesta época o bairro de dividia em vários pequenos lugarejos como Buracão, Departamento, Nim de Rato, Pilo Aceso (que depois veio a se chamar Pilar) e Leite. Eu era do Leite. Esse nome se devia ao fato de ter havido na minha rua dois irmãos que possuíam algumas vaquinhas que alimentavam boa parte das famílias do bairro, que até então tinha poucos habitantes. Só algum tempo depois chegou a primeira padaria, com a novidade do leite de Saquinho tipo C. Restava então muito espaço verde, água e terra pra brincar fora de casa e, sempre que dava, meus irmãos maiores Paulinho e Valdecy (Deci), os meninos da vizinhança e eu brincávamos as brincadeiras mais diversas, sumidos pelo mato adentro, na rua, no campinho, ou nas margens da BR que passava logo acima da minha rua. Acho que isso de morar perto de BR me fez querer partir desde cedo...
Meus pais escolheram aquele lugar pra viver por causa da proximidade da mineradora Mannesmman, onde o pai trabalhava em três turnos revezados. Além de estarmos sempre envolvidos na construção de um cômodo extra para o próximo filho ou de um barracão para alugar, nós, os filhos maiores, ajudávamos vendendo pelas primeiras construções nos arredores os biscoitos fritos que minha mãe e minha irmã maior Ivanete faziam pela manhã. Cursei o primário na escola da Mannesmman, ginasial na Escola Estadual Paula Frassinetti (Sion) e segundo grau (inconcluso) no colégio Padre Machado, que fica na Savassi, no turno da noite.
Trabalhar desde cedo era algo natural na minha família. Aos doze anos minha mãe me arranjou emprego como gandula de tênis, onde fiquei por três anos. Depois, fiz de tudo um pouco: faxineiro, office-boy, entregador, auxiliar de jardinagem, almoxarife, vendedor ambulante etc... Mas ninguém é de ferro: nos dias de descanso, meu pai se sentava na cama, abria sua velha mala, pegava seus livrinhos de música caipira no estilo Teixeirinha, Trio Para Dura, Tonico e Tinoco e Léo Canhoto & Robertinho, tirava o violão da capa e ficava ali durante horas, afinando, afinando, até que de repente começava a cantar aquele universo com tanta paixão, envolvido por um silêncio que só era interrompido pelo barulho de minha mãe na cozinha. Sempre que dava, o pai dava uma “fugidinha” pro buteco da rua de baixo e lá de casa a gente ouvia a sua voz possante ao lado de seus amigos, numa cantoria que tanto poderia durar uma hora quanto três dias.
Às vezes, quando o pai estava no trabalho e a mãe lavando roupa, a gente ficava olhando os menores e cuidando da casa, em companhia do velho rádio, onde ouvi as primeiras músicas e os sucessos do momento (muitas músicas de Roberto e Erasmo), que me levaram a ter vontade de aprender algum instrumento e cantar. Comecei pela flauta doce, depois comecei a tocar escondido o violão do meu pai (seu xodó). A MPB veio a partir daí, através do FM, das revistas com cifras e das visitas que eu fazia aos amigos que tinham uma discoteca variada. Comecei a conhecer a música de Minas, o Clube da Esquina, da geração que vinha do Vale do Jequitinhonha, a Black Music brasileira de Tim Maia Cassiano, o samba popular do Bezerra da Silva, Beth Carvalho e Alcione nesse período.
Resolvi montar no bairro uma “banda de final de semana” que se chamava Natural, que tocava covers do 14 Bis e outros sucessos do rock nacional, como Lulu Santos, Cazuza, Renato Russo, Paralamas, Lobão, passando pela MPB de Djavan, Caetano, Gil, Milton, Beto Guedes, Luiz Melodia e cia... Nossa primeira apresentação foi no auditório do Lar dos Meninos São Vicente de Paula e foi um sucesso. Ninguém tinha instrumento direito, mas aos poucos comprei minha primeira guitarra, uma Gianini Sonic das mais simplesinhas. A banda se desfez quando fui para o Serviço Militar. Quando saí, em 1986, meus ex-companheiros já haviam formado outra banda e eu não me adaptei na nova formação. Comecei aí, minha investida na “carreira solo”. Eu estava mais amigo do violão, com o qual eu animava as noites dos recrutas antes do toque de recolher, já tendo composto algumas músicas e aprendido outras tantas.
Faltava um empurrãozinho só pra eu cair no mundo quando num certo dia fui a um bar chamado Vila Velha e vi um carinha muito carismático e talentoso chamado Maurício Tizumba tocando. O lugar ficava apinhado de gente para vê-lo. Meu amigo me pediu pra dar uma canja e eu, depois de algumas biritas, estava cheio de coragem. O proprietário do lugar me ofereceu uma chance de abrir apresentações do Tizumba que, conforme fui percebendo, não era exatamente pontual. Com isso eu, que tinha um repertório pequeno, era colocado à prova e tinha que segurar as pessoas no bar das nove horas até quando ele chegasse, o que poderia ser meia noite, uma da manhã, uma e meia... Isso foi suficiente pra eu sair da casa de meus pais, largar o emprego e a escola e começar a viver da noite. Logo surgiram outros bares (muitos através do próprio Tizumba, que tinha tanta oferta de trabalho que acabou virando uma espécie de agente de outros músicos que queriam tocar nos bares de BH).
Nessa época, conheci o guitarrista Luiz Peixoto, que morava no Padre Eustáquio, e produzimos juntos minha primeira “demo” com quatro músicas minhas de nome “Natureza”, “Caminhada”, “Minas Gerais” e “Canção do bicho homem”, a última baseada em poema de Rogério Salgado, um então poeta alternativo de BH. Essa fita rodou pela cidade e chegou até a tocar na Rádio Inconfidência, dentro do programa Bazar Maravilha, numa seção que tocava pela primeira vez o pessoal que não tinha LP (ainda não existia cd) gravado. Uma dessas cópias chegou até o produtor Nestor Sant'Anna, que me chamou em seu escritório, disse palavras de grande incentivo e se despediu. De tempos em tempos, alguém me dizia que ficara sabendo do meu trabalho através dele.
No ano seguinte, 1987, fiz minha primeira apresentação baseada em músicas minhas dentro de um projeto chamado “Segunda Musical” no Teatro Francisco Nunes. Foi quando senti na pele as dificuldades que encontraria pra fazer um trabalho autoral. Nos anos seguintes, fui muito visto pelos bares da cidade e pouco nos palcos que almejava, pois tinha que garantir meu sustento. Isso me tirou um pouco da composição e do projeto que interiormente eu esboçava.
Naquele ano, a rede Globo Minas realizava o festival de música “Canta Minas”, do qual participei e consegui um segundo lugar com a música “Gente não é cor”. Fiquei deslumbrado com toda aquela visibilidade e isso me impulsionou a produzir meu primeiro CD independente. Nessa época eu assinava Vanderly.
Sempre tive problemas com meu nome; já havia sido Vanderly Catarina, Vanderli Natureza, Vanderly etc... Mas a gota d'água foi quando ouvi um locutor da Rádio Inconfidência anunciar: - Vanderley, dele, Contra o Tempo.
Com o CD na sacola eu ia de bar em bar, dando canjas e vendendo. Nesse período reencontrei Nestor Sant'Anna. Passei um cd pra ele, que me ligou no dia seguinte. Nos encontramos, ele me sugeriu outra mudança no nome e me apresentou ao Alexandre Noronha, que passaria a ser meu produtor. Ficamos ali pensando um tempão até surgiu o Vander Lee. Na hora a idéia não me pareceu muito original, mas depois de consultar uma astróloga, não tive dúvidas: seria esse o meu novo nome, com a vantagem de continuar o mesmo. Essa coisa de mudar o nome funcionou muito pra mim, não sei se é assim com todo mundo, mas recomendo.
Meu primeiro CD não chegou ser um estouro de vendas, mas me trouxe os primeiros fãs de carteirinha, que muitas vezes pegavam discos e ajudavam a vender, além de ter a música “Contra o tempo”, que hoje é minha música mais gravada, tocada em algumas rádios locais. Mas melhor retorno dele, sem dúvida, foi Elza Soares. Em novembro de 1998, minha amiga Rossanna Decelso me ligou dizendo que Elza Soares estaria em BH lançando o livro “Cantando pra não Enlouquecer” e sugeriu que eu levasse a ela meu CD. Fiquei timidamente numa mesinha no canto do restaurante Cozinha de Minas, até que a fila diminuiu e fui até ela. Passei o cd, ela me olhou de cima até em baixo, não disse nada. Levou o cd, ouviu e duas semanas depois me telefonou e disse... Bom, o resto eu conto depois.