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Meu Melho Amigo

Rolando Boldrin

Eu tive um amigo, amigo
Amigo é bão a gente explicá, né?
Porque a tár de amizade em tudo os canto e cidade
Já deu muito o que falá
Esse meu amigo que eu falo era o Surtão, um cachorro
Que eu encontrei lá no morro no meio de uns gravatá

Cachorro mestiço a lobo, perigoso, difícil de se criá
Mas esse, esse era mansinho, era fiotinho, novinho
Cachorrinho sem nome
Tava morrendo de fome que dava pena de oiá

Então eu peguei, levei ele lá pra casa
Tratei, cuidei e me pus a lhe acarinhá
Então virou um amigo, um parente, um irmão, um fio, sei lá

Nesse tempo eu já vivia num rancho pobre que eu tinha
Só eu e mais meu fiinho de um ano e meio, dois ano
Minha muié, coitadinha, com Joãozinho ainda pequeno
Acabô adoecendo, foi definhando, murchando
E sem tê nenhum recurso, acabô anssim morrendo

Eu fiquei desesperado com a morte da minha muié
Eu quase perco a cabeça, mas, mas juro por Deus, inté
Por mais coisa que aconteça no mundo eu sei que não ai
Com quarqué dor ou paixão inda mais se sendo um pai
Que tivé nos seus cuidado um fiinho abençoado
Como eu tinha o meu João

Então naquele ranchinho era eu, o meu fiinho
E agora esse cachorrinho que eu batizei de Surtão
O Surtão logo encorpô, cachorro cresce depressa, né?
Um bicho grande ficô

Mais memo sendo grandão dava gosto a gente oiá
O meu menino e o cão brincando lá no quintá
Lá no terreiro de casa iguá duas criança
Dois menino inocente brincando muito contente
Dois passarinho sem asa, era bonito de vê

Uma tarde. Ah! Tarde ingrata, nem gosto de me alembrá
Eu garrei minha espingarda que eu tenho mode caçá
Pruque só anssim é que se come um naco de carne por lá
Deixei os dois ali brincando e me afundei pela mata
Mata fechada, feia, escura inté com o luá

Andei umas par de hora
Me afundei pra mata afora e fui longe como que
A noite caiu depressa, mas eu entretido à bessa
Nem cheguei a percebê

De repente uma trovoada, relâmpago riscando céu
As nuve negra formando como se fosse um chapéu
Foi aí que num assombro, num susto, ai meu Deus!
Disparô meu coração
Eu me alembrei não tê deixado nem um resto de comida
Pra alimentá o Surtão

Ah! Desembestei feito um louco
E as ideia pouco a pouco ia formando a desgraça
Na minha cabeça eu via meu fiinho estraçaiado pelo Surtão
Esfomeado, por essa fera de raça

Fui correndo, fui correndo, caindo pelos caminho
Pedindo a Deus um cadinho de força
Pra mode eu chegá em tempo de lhe sarvá
A tempestade mais forte trazia um cheiro de morte
Em vez de cheiro de mato
Parece que aquele ingrato do mundo ia se acabá

Ah! Meu Deus, Nosso Sinhô
Cheguei no rancho e o que eu vi? Minhas perna bambeô
É, saiu de dentro de casa abanando o rabo pra mim o Surtão
Ensanguentado e eu desesperado já não pensei em mais nada
Com a minha arma engatiada, puxei sem dó e com reiva
E no estrondo que ela deu o Surtão rodopiando caiu pertinho
Sangrando, morrendo nos pé de eu

Eu tava cego de medo de tudo que eu imaginava
Eu tava meio alocado, por isso eu fiz o que fiz
Nisso saiu do meu rancho meu fiinho são e sarvo, interinho
E quando oiô lá pro chão em vez de vim me abraçá
Saiu numa disparada chorando, chorando
E se abraçando com o Surtão ficô ali um tempão

Depois me garrô na mão e me levô inté a porta lá do rancho
Aí nós dois entendemo tudo, tudo direitinho
Só pra sarvá meu fiinho daquele grande perigo
O Surtão tinha matado em luta desesperada
Uma grande onça das pintada
E eu, eu matei meu amigo

Composição: Ado Benatti





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