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Faroeste Caboclo

Renato Russo

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou prá trás todo o marasmo da fazenda
Só prá sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu

Ia prá igreja só prá roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar

Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
E de escolha própria escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico aos doze era professor
Aos quinze foi mandado pro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror

Não entendia como a vida funcionava
Descriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem foi direto a Salvador

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem
Ia perder a viagem mas João foi lhe salvar:

Dizia ele "- Estou indo prá Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar"

E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal

"- Meu Deus mas que cidade linda!
No Ano Novo eu começo a trabalhar"
Cortar madeira aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil pro mês em Taguatinga

Na sexta feira foi prá zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de la
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar

E Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava prá ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que dizia sempre que seu ministro ia ajudar

Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que como Pablo ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado a plantação foi começar

Logo, logo os maluco da cidade
Souberam da novidade
"- Tem bagulho bom ai!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali

Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
Ia prá festa de Rock prá se libertar
Mas de repente
Sob um má influência dos boyzinhos da cidade
Começou a roubar

JÁ no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
"- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!"

Agora Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, Playboy ou general

Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele prá ela o Santo Cristo prometeu

Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
"- Maria Lúcia eu prá sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter"

O tempo passa
E um dia vem na porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta de João

"- Não boto bomba em banca de jornal
E nem em colégio de criança
Isso eu não faço não

E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cú na mão

E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um peixe de ascendente escorpião"

Mas antes de sair, com ódio no olhar
O velho disse:
"- Você perdeu a sua vida, meu irmão!"

"- Você perdeu a sua vida, meu irmão"
"- Você perdeu a sua vida, meu irmão"
Essas palavras vão entrar no coração
"- Eu vou sofrer as conseqüências como um cão."

Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto
E ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro
Que também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina

Mas acontece que um tal de Jeremias
Traficante de renome apareceu por la
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.

Mas Pablo trouxe uma Winchester 22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar

Jeremias maconheiro sem vergonha
Organizou a Roconha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente mas não sabia rezar

E Santo Cristo há muito não ia prá casa
E a saudade começou a apertar
"- Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já está em tempo de a gente se casar"

Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez

Santo Cristo era só ódio pro dentro
E então o Jeremias prá um duelo ele chamou
"- Amanhã, as duas horas na Ceilândia
Em frente ao lote quatorze é prá lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina falsa prá que jurei o meu amor"

E Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que a notícia do duelo na TV
Dizendo a hora o local e a razão

No sábado, então as duas horas
Todo o povo sem demora
Foi lá só prá assistir

Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo
E começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta
João olhou as bandeirinhas
E o povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro
E prás câmeras e a gente da TV que filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que viveu até aqui
E decidiu entrar de vez naquela dança
"- Se a via-crucis virou circo, estou aqui."

E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester 22
A arma que seu primo Pablo lhe deu

"- Jeremias, eu sou homem. Coisa que você não é
Eu não atiro pelas costas, não.
Olha prá cá filha da puta sem vergonha
D uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão"

E Santo Cristo com a Winchester 22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor

O povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burgesia da cidade não acreditava na história
Que ele viram da TV

E João não conseguiu o que queria
Quando veio prá Brasília com o diabo ter
Ele queria era falar com o presidente
Prá ajudar toda essa gente que só faz

Sofrer

Composição: Renato Russo





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