Nascida em Warri, a "cidade do petróleo", na Nigéria, Nneka, 27, tem muito a contar. Atualmente, ela trafega entre a terra natal, onde mora seu pai, e Hamburgo, na Alemanha, para onde se mudou aos oito anos, por motivos sobre os quais ela pouco fala.
"Nunca foi minha intenção vir para cá [Hamburgo]. Tive problemas pessoais e, por coincidência, estava na Alemanha na época, mas sou mais africana do que européia."
Formada em antropologia, Nneka canta desde sempre, mas, só nos últimos três anos transformou seu hobby em profissão.
"Nunca tive chance de fazer música. Minha família não tem nada a ver com a música. Meu pai é um arquiteto que se tornou fazendeiro. Sobre minha mãe [que é alemã], sei pouco. Não cresci com ela", conta.
"Escrevia sempre que sentia saudades da Nigéria. Quando estava sozinha. Era uma terapia para lutar contra a tristeza."
Além de sentimentos pessoais, suas letras tratam de problemas sociais e políticos da África e, segundo ela, refletem mais ou menos sua experiência de vida. "O que acontece ao meu redor e as pessoas com as quais convivo são minha grande inspiração", descreve.
Neste ponto, a influência do conterrâneo Fela Kuti, o criador do afrobeat, se sobrepõe à do hip hop norte-americano ou à do reggae jamaicano, dois ritmos marcantes no diversificado estilo de Nneka.
"Fela Kuti é uma grande inspiração para todos os nigerianos. Ele e sua luta pela democracia e pela liberdade artística", diz. "Fela é o rei do afrobeat; um dos pais da música africana. Ele era capaz de exprimir as vontades do povo."
Cantora nigeriana radicada na Alemanha lança segundo disco, "No Longer at Ease", e arrebanha críticas elogiosas ao fundir ritmos como funk, afrobeat, hip hop, jazz e soul.
Nneka é bela e tem uma belíssima voz. Seu marcante acento e sua rebelde cabeleira, penteada em estilo black power, revelam suas origens africanas, declaradas também em letras e rimas.
Rimas essas que versam ainda sobre as mais íntimas aflições da moça, embaladas por reggae, rap, jazz, funk, trip hop, soul.
Com tudo isso, dá para entender porque publicações como o jornal inglês "Sunday Times" e os franceses
"La Marseillaise" e "Libération", entre outros, a apresentam como "a nova Lauryn Hill".
A comparação faz sentido, e a diva americana e sua extinta banda, o Fugees, são, declaradamente, uma de suas referências.
Mas Nneka Egbuna tem personalidade e atitude de sobra para ser mais do que apenas uma sucessora de "miss Hill". E se a aposta dos críticos estiver correta, seu primeiro disco, "Victim of Truth" (2005), teria sido um "best-seller global" se lançado em Nova York.
Se a estréia impressionou, em "No Longer at Ease", álbum que saiu neste ano no exterior, Nneka aprimora suas influências e, pela primeira vez, é ouvida pelo grande público.
Foi graças a ele que as pessoas descobriram o CD anterior. E é também por ele que seu nome figura no line-up de festivais europeus ou abrindo para artistas como Sean Paul e a dupla Gnarls Barkley.
A cantora nigeriana, Nneka é mais que uma cantora. Nneka é uma voz política e de intervenção, que faz mais do que mostrar a sua música. De aspecto aparentemente singelo, com ar de menina rebelde, assim é Nneka.
Sendo possuidora de dotes vocais invejáveis, Nneka canta as suas músicas, quase que seguindo um ritual de explicação das mesmas. E é nisso que Nneka difere de outras cantoras soul: a jovem nigeriana conseguiu criar um ambiente de convívio entre o público, mantendo uma conversa divertida e por vezes emotiva.
Nneka apelou diversas vezes para temas como a tolerância e o amor, sendo digna de nota, a altura em que, descrevendo o amor de forma bastante completa, a cantora sugeriu que todos "comessem amor, digerissem amor e..." (segundo palavras da própria). E o curioso é que nada disto foi dito com tom de malícia, como que sabendo de antemão que iria dizer algo chocante para alguns.
Nneka fala como uma criança, de coração e mente abertos, mas com uma consciência social e política madura e acima da média.
A cantora não se coibi de falar sobre os problemas de corrupção existentes na Nigéria, especialmente devido à exploração abusiva de petróleo no delta do rio Níger, local onde nasceu e cresceu.
A nigeriana não é dada a grande exposição pública, sendo que raras vezes se expunha a grandes planos ou focos, como que estando constantemente no seu pequeno mundo, tentando sentir e sofrer a sua própria música.
Nneka deu primazia, sobretudo aos membros da sua banda, aos quais se nota que possuí uma grande intimidade.
Detentora de uma voz inconfundível, Nneka surgiu maioritariamente com temas do álbum "No Longer At Ease", mas também brinda o público com muitos bons temas do seu disco de estreia "Victim of Truth".
À banda, composta por um baixista, um teclista, um baterista e um guitarrista, nota-se que lhe é permitido explorar a sua criatividade momentânea, havendo espaço para frequente improviso.
Durante os intervalos de seus shows é interessante a oportunidade dada aos integrantes da banda. Em seu show em Portugal, no intervalo, momento este em que Nneka abandonou o palco, houve lugar para um tema cantado pelo próprio tecladista.
O improviso notou-se também pelo alinhamento, que não era rígido, mas que ia surgindo e sendo escolhido pela cantora, à medida da ocasião. Temas como Gipsy, The Uncomfortable Truth (que em bom português popular basicamente significa "faz aquilo que digo, mas não faças aquilo que faço"), Confession, o acústico Come With Me fizeram parte desse mesmo alinhamento.
Uma das surpresas da noite, no show em Portugal, aconteceu quando Nneka e a sua banda nos brindaram com novo tema, ainda não editado e composto há cerca de um mês durante a sua digressão. Este tema, de caráter forte, assenta nas raízes do reggae, do soul, com uma grande noção de ritmo latino, quem sabe até flamenco. Suffri, Heartbeat, Beatiful e Níger Delta foram, seguramente, dos temas que trouxeram momentos mais marcantes, durante este espectáculo.
Por fim, o concerto esteve para fechar com Lord of Mercy, um tema mais virado para a reflexão e meditação, uma oração de agradecimento a Deus, fato que Nneka não deixou de frisar.
No entanto, Nneka ainda regressou ao palco para um encore onde cantou o tema Focus. E foi com esse mote, de mantermos a nossa mente e coração focados continuamente no nosso objetivo, que a cantora deixou o público portuense, com a certeza, sobretudo, que brindou o público com uma grande noite de música soul, hip-hop e reggae.
Ainda que a Nigéria seja o principal tema das canções de Nneka, e suas ruas o cenário de seus clipes -todos disponíveis no YouTube-, ela concorda que jamais teria feito um disco como "No Longer at Ease", ou mesmo "Victim of Truth", se estivesse morando na África.
"Se não tivesse saído de lá, jamais teria tido a chance de viver por mim mesma e de ver certas coisas", acredita.
Além disso, Nneka não teria conhecido o DJ alemão Farhot, que delineou a sonoridade de seus dois álbuns -o segundo teve ainda a participação do produtor francês Jean Lamoot, conhecido por trabalhos com Salif Keita e Noir Desir.
Em ambos, Nneka se reveza rimando e cantando num estilo muito próprio. "Se tivesse que colocar em uma categoria, o primeiro disco é hip hop, afro hip hop e soul", afirma.
"Já "No Longer at Ease" não sei como definir. É um CD repleto de diversidade e, ao mesmo tempo, muito pessoal. Fala de temas que me tocam muito seriamente. Diria que é louco."
E é por essa diversidade, certa dose de loucura e originalidade, que Nneka deve dar o que falar daqui para a frente.