O Neutral Milk Hotel foi um coletivo nascido do grupo de fundadores da Elephant Six Records, conluio com raiz em Ruston (pequena cidade no Louisiana, Estados Unidos), onde nasceram e fizeram a sua formação musical figuras como o singer/songwriter Jeff Mangum e os amigos e colegas Robert Schneider (que mais tarde formaria os Apples In Stereo e Marbles), William Cullen Hart e Bill Doss (ambos na origem dos Olivia Tremor Control, onde Jeff Mangum colaborou ativamente entre 1989 e 93, regressando pontualmente para um ou outro concerto desde então).
Depois de uma etapa de mais projetos sonhados que feitos, muito acidentada entre bandas e novas cidades (com longa passagem por Athens, na Geórgia), Jeff Mangum encontrou residência fixa em Nova Iorque onde recomeçou a gravar sob o nome Neutral Milk Hotel. Começou por lançar discretos singles e cassetes, até que em 1996 foi a Denver gravar o álbum de estreia, “On Avery Island”.
Um ano depois, regressou ao mesmo estúdio de Rob Schneider no Colorado para, com formação renovada (contando, além de Rob, com a colaboração de Laura Carter, dos Elf Power), registar um segundo monumento de som e intensidade de acontecimentos, “In The Aeroplane Over The Sea”.
“In The Aeroplane…” traduz perfeitamente a designação fuzz folk que o grupo inventou para o seu som. Parte de raízes rurais, folksy, de uma América profunda sentida com os dedos nos dias de infância em Ruston, junta-lhe pistas colhidas na memória musical do século XX, do som de bandas de funerais, banjos, acordeão, flautas, mas injeta na música valentes choques de eletricidade e distorção lo-fi, e ainda uma megalomania sônica quase quixotesca que explica o entusiasmo de quem a eles agora chega, por via dos Arcade Fire ou Clap Your Hands Say Yeah.
Apesar de críptico nas palavras, Jeff Mangum explicou, à altura da edição original do álbum (em 1998), que este era um disco nascido do estado emocional em que o deixou a leitura dos diários de Anne Frank. Não só as referências de cores musicais apontam ao tempo de vida de Anne Frank (1929-1945), como há citações concretas à sua história em Oh Comely ou Holland, 1945. O tom de melancolia e os surtos de dor e raiva que dominam este disco partem das memórias da jovem Anne Frank e servem depois outras projeções autobiográficas do próprio Mangum, todavia indecifráveis numa poética sempre abstrata, mais sugestiva que narrativa.
Jeff é descendente direto de uma geração que sabia dos limites da própria voz, mas não se importa com isso - o importante é cantar o que deve ser cantado. Como Syd Barrett (fase solo), Roky Eriksson (dos 13th Floor Elevators) e Captain Beefheart, ele deixa seu vocal cantar o que quiser, com ímpeto, garra, força e vigor. Qualidades filtradas por uma fragilidade e crueza do som, que se refletem no violão que toca. E se levarmos em consideração que ele está cantando sobre suas experiências de vida, mas de uma forma simples e fantástica (fingindo ser surreal para falar de coisas reais) encontramos um compositor ímpar na música popular atual.
Mas, apesar de “In The Aeroplane…” ter sido aclamado pela crítica e pelo “círculo indie” (vendendo bem mais de 100.000 cópias, na época, segundo a Merge Records), o Neutral Milk Hotel entrou abruptamente em hiato, recusando todos os pedidos de shows, incluindo uma parceria com o R.E.M, segundo fontes não oficiais.