Estou perdido no livro, girando num anagrama
Não entendo a língua, desconheço a trama
Já é tarde e eu sequer tenho grana
Estou nas margens de um fato, um bobo em cena de drama
Ser da fome a caça, na floresta humana
Já é tarde, eu preferia uma cama
Quem me estenderá a mão no escuro?
Quem me apontará a saída?
Já é tarde, que não me levem em cana
Alguém sussurra o meu nome, alguém na página plana
Sua frase é seca, seu estilo inflama
Já é tarde, a noite a nós se derrama
Com ele eu sigo adiante, pisando folhas e lama
Sua rima é pressa, quando passa é gana
Já é tarde, adeus, retórica insana
Quem me leva pela mão no escuro?
Quem me apontará a saída?
Já é tarde, que não me levem em cana
Atravessamos o livro, velozes num telegrama
O final espera, de onde a luz emana
Já é tarde, a história já não me esgana
Talvez no fim haja o verbo
De um Deus num trono em chamas
E se o verbo mata, e se o verbo engana
Já é tarde, o céu, o inferno me chama