Preste atenção! O mundo é um moinho. A dica foi dada no Rio de Janeiro do início século XX por ninguém menos do que Cartola, mas repercutiu em uma baiana dos anos 2000, que teve a idéia de levar o samba da Bahia para a Lapa carioca, celeiro do gênero nesses e noutros tempos. A história começou de forma bem prosaica e acabou dando origem a uma das bandas mais interessantes surgidas recentemente. Depois de um telefonema de Emanuelle Araújo convidando Lan Lan para tocarem juntas, as duas se juntaram ao guitarrista e violonista Toni Costa para algumas apresentações com o nome provisório Moinho da Bahia, deixando claro de onde vinham.
Cada um dos integrantes trazia no currículo anos de trabalho com grandes nomes da nossa música. Emanuelle comandou os vocais da Banda Eva durante alguns carnavais; Lan Lan tocou com Cássia Eller, Nando Reis & Os Infernais e com os Tresloucados – um projeto de Preta Gil e Davi Moraes –, além de ter liderado Lan Lan & Os Elaines; Toni, por sua vez, já acompanhou os principais baianos ainda na ativa, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Moraes Moreira, Gal Costa, além de artistas como Luiz Melodia, Elba Ramalho, Nelson Gonçalves, Sérgio Sampaio e Adriana Calcanhotto. Para as bandas Paralamas do Sucesso e Herva Doce, Toni ainda fez alguns arranjos.
Mas a reunião dos baianos, a princípio descompromissada, deu muito certo. A gravação de um álbum registrando o encontro parecia inevitável e ele veio agora, sob o nome “Hoje de Noite”. O “da Bahia” do nome foi deixado de lado pela banda, mas o DNA baiano ainda é forte nas 12 faixas que compõem o primeiro disco do Moinho. As referências de anos na estrada, com essa gente que faz música da melhor qualidade, deram origem à seleção das canções do cd.
Do samba baiano, “Baleia da Sé”, de Riachão, “O Vento e o Moinho”, de Moraes Moreira, e, como não poderia faltar, “Saudade da Bahia”, do mestre Dorival Caymmi. Na gravação dessa ode, o Moinho contou com a luxuosa participação de Léo Gandelman no sax-tenor. Do cantor e compositor Nando Reis, além de uma resenha inspirada, eles ganharam a faixa que dá nome ao CD, além de alguns vocais na gravação. Produzidas por Berna Ceppas e Kassin (responsáveis também pelos indefectíveis sintetizadores, pelo baixo, vibrafone e percsynth de algumas faixas do disco), as canções dão a noção exata do encontro dos sambas baiano e carioca. Mart’nália assina “Xangô”, junto com Lan Lan e Toni, a quem também estão creditadas “É fim de semana”, “Na Lapa” e “Sai, mané” - esta última uma parceira do guitarrista com Luís Ariston. “Doida de Varrer” é o luxo da poesia de Chacal musicada por Ana Carolina. Não é pouca coisa, não!
A banda que acompanha o trio e que participou da gravação de “Hoje de Noite” inclui Nara Gil, filha de Gilberto Gil, Maurício Braga na bateria, e Pedro Mazzillo no baixo. No disco, ainda aparecem participações do também baixista Alberto Continentino, e dos arranjos de sopro de Felipe Pinaud, duas grandes revelações da música brasileira que vêm mostrando um trabalho de qualidade ao lado de artistas como Ed Motta, Milton Nascimento, e do coletivo Orquestra Imperial. Todos somam forças ao grupo que, como bem definiu Gilberto Gil, “é samba na pressão”.