Se o assunto é cantora no Brasil não existe crise. Em todos os momentos e movimentos de nossa história musical sempre houve uma voz feminina a ser ouvida em meio à cacofonia vigente. Mesmo hoje em dia nossos ouvidos vez por outra são brindados pela acústica solar de uma voz de mulher a vazar entre minimalismos eletrificados. A audição de do disco de estréia de Juliana Kehl desnuda um básico d’A Cantora Brasileira Por Excelência: a inteligência. Sem a qual vozes como as de Marisa Monte ou Elis Regina, cujos tons graves ecoam na voz de Juliana, permaneceriam condenadas às madrugadas etílicas. Inteligência que se revela nas escolhas. Dez das doze faixas do disco são de sua autoria ou parceria e as duas restantes revelam o fio tecido por Juliana: Outras Mulheres, de Joyce e Paulo César Pinheiro, e Oiê, do pernambucano Júnio Barreto. É a tradição que se projeta no futuro. Basta conferir a lista de convidados que inclui da lendária sanfona de Dominguinhos ao 7 cordas internacional de Swami Jr., passando pelo tecladista Marcelo Jeneci e o baterista Guilherme Kastrup, freqüentadores assíduos de encartes de CD. São amigos de todas as partes. Vieram também Pedro Mibielli, violino, Juliano Barbosa, fagote e Maico lopes, trumpete e flugel horn, que viajaram o mundo acompanhando Marisa Monte e o trombonista Itacyr Bocato, que começou a carreira menino acompanhando Elis Regina. Opa, sem querer CQD*. Juliana canta desde a adolescência e o coral que integrava apresentou-se no Carnegie Hall nova-iorquino. Apesar do incentivo a cantora hibernou enquanto a menina seguiu sua vida, formando-se em artes plásticas – é uma FAAPer discreta. A “ursa” só despertou quando Juliana se viu musicando Sagitário, poema do livro O Amor É Uma Droga Pesada, da psicanalista Maria Rita Kehl, sua irmã – Juliana musicou para o disco o poema Viação Cometa e trechos de Diadorim, ambos de Maria Rita. Diante desse “sinal inequívoco” Juliana voltou a cantar e começou a escrever suas próprias palavras. Subiu aos palcos, aumentou o repertório, gravou demos. Quando sentiu o momento certo chamou para a produção e direção musical Gustavo Ruiz, músico e compositor, parceiro de Juliana em Diadorim: O Sertão è Do Lado De Dentro e DiasPaes, o Dipa, músico e compositor parceiro de Juliana em Ele Não Sabe Sambar ( Pedrarias, Prata E Pó ) e em Carnação (com Karina Buhr). E a mágica se fez. Música tradicional contemporânea, para quem gosta de rótulos. Bom gosto, criatividade, erudição sem gravata, prazer. Agora é com vocês. * sigla de “como queria demonstrar” usado nos finais dos teoremas matemáticos . . . . Luiz Chagas é jornalista e músico. Por duas décadas tocou na Banda de Itamar Assumpção. Ex-jornalista de Cultura da revista IstoÉ, atualmente escreve na Revista