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Descampado

Dayse Addario

Só vou falar uma vez
Depois vou ficar calado
Como uma fêmea, uma rês
Ruminando o descampado

O silêncio me devora
De dentro da solidão
Como um búfalo que chora
No meio da escuridão

Vou te olhar bem de repente
Depois vou cerrar os panos
Uma rodilha serpente
Muros, janelas e planos

E um monstro marinho vaga
Pela costa e fortaleza
Ninguém lhe desvenda a praga
Ninguém lhe tira a beleza

Só vou deitar a cantiga
Na hora da via láctea
Na hora em que minha amiga
Se embalar na rede branca

E me escutar tão contente
Enrodilhada na rede
Que a estrela d'alva poente
Mate no orvalho esta sede

Vou tocar a tua pele
Como quem rastreia os mapas
Vou tocar a tua pele
Como quem rastreia os mapas

E seguir a brisa leve
E guiar o barco lume
E seguir no vento breve
O rastro do teu perfume

E vou te ouvir sem destino
Por dentro da noite prata
Fosse eu só um menino
Não um corsário, um pirata

E vais me dizer que tudo
É o saque a que me entreguei
Comandante sábio e mudo
Nos navios que naveguei

Só vou cheirar teu cabelo
No mergulho mar profundo
De volta pro meu castelo
Que gira em volta do mundo

Vou sonhar nesse balanço
Meu primeiro sonho lindo
E proteger teu descanso
Rindo, rindo, rindo, rindo

Vou descer na lua grande
Imenso como um tuxaua
E fundar na terra nua
As trilhas dos apegáuas

Vou te esperar para sempre
Nas pontas da pedra fina
Até que amanheças, venhas
Amiga, manhã, menina.






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