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A Carta

Custódio Mesquita

[Diálogo]
- Já passa das três da manhã e se não passa pouco deve faltar.
411 já recebeste alguma carta desde que chegamos aqui?
- Desde que chegamos só recebi uma.
- Dá noiva?
- Não, da minha mãezinha. Já a li um milhão de vezes, e sei
sou capaz de relê-la outro milhão.
- Tens mais sorte do que eu, que ainda não recebi uma linha de
carta desde que viemos parar neste inferno.
- Ora, companheiro, não se desespere. Olha, eu tenho uma idéia.
As mães quando escrevem dizem sempre as mesmas coisas.
A linguagem das mães é uma só.
- Isto é verdade. Mas qual é a sua idéia?
- Vou ler para você a carta da minha mãe.
- Leia, então.
- Aqui na trincheira somos todos irmãos. E a carta que eu vou ler,
Não é minha, é da nossa mãezinha.

Filho meu
muito querido e adorado
que a graça de Deus contigo esteja.
As mãos de tua mãe estão tremendo
Pedindo a Deus que muito te proteja
a ti e aos teus bravos companheiros
nesta hora de certeza e ansiedade.
E Deus que é tão bom e justiceiro
ouve as preces feitas com sinceridade.

- Estás chorando?
- Eu não, e tu?
- Ah, também não.

Pois um soldado não chora.
Também não devo chorar.
Devo honrar a farda que visto
Minha pátria também devo honrar [coro]
acima de todas as coisas
pois sou forte não temo lutar.
Sou soldado, honro a farda que visto.
E um soldado não deve chorar.

- 411, continue a ler a carta de nossa mãezinha
- Está bem, companheiro. Ouça:
Os meus cabelos eram brancos, tão mais brancos
Minha cabeça é um floco de algodão
Toda a saudade que havia pelo mundo
está morando agora no meu coração
a ti e a teus bravos companheiros
..................................

Mas saibam que não falta a nenhuma
Tua mãezinha a rezar uma oração.

Pois um soldado não chora.
Também não devo chorar.
Devo honrar a farda que visto
Minha pátria também devo honrar.
Acima de todas as coisas [bis]
Pois sou forte não temo lutar.
Sou soldado, honro a farda que visto
e um soldado não deve chorar.





(Extraído do livro Custódio Mesquita - Um compositor romântico no tempo de Vargas - Orlando de Barros - FUNARTE - 2001






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