A infância e adolescência foram marcadas pelas mudanças de cidade. O pai - um fluminense de Barra Mansa aficionado por música - era motorista de caminhão da Andrade Gutierrez. A cada nova obra, uma nova cidade. De sua terra natal, Cornélio Procópio, no norte do Paraná, Carmen Queiroz sai com pouco mais de 3 anos de idade para a mineira Santa Rita do Sapucaí, no Vale do Silício, de onde se muda para Porangaba, cidade paulista localizada entre Tatuí e Botucatu.
"Porangaba é minha referência. Foi onde comecei a escola primária, o ginásio, o colégio. É uma cidade pequenininha. Morávamos num acampamentos, em casas de madeira. A cidade tinha uma referência diferente da gente: éramos o pessoal da Companhia". Como em toda cidade do interior, a música passeava pelas ruas e pelas praças. Por estas, a banda de Lázaro Nogueira da Silva - maestro Pingo -, amigo da família e incentivador das serestas locais que a caçula Carmen participava.
"Tinha uma população que adorava fazer serenatas. Meu pai sempre gostou muito de música. Ele reunia muita gente em casa, não tocava nada, mas insistia para que os filhos aprendessem alguma coisa. Comprou violão pra uma, acordeão pra outra, ninguém aprendeu nada, mas era motivo suficiente para a gente se reunir e cantar, que era o que gente gostava de fato."
Nesses encontros sambas antigos eram cantados pelos pais e peças de Angela Maria, Nelson Gonçalves, Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira interpretadas pelas irmãs mais velhas, como a Lázara e a Neusa, assídua participante de festivais locais. Arriscando em um desses, a tímida Carmen conquistou o Prêmio Revelação com a música "Negue", artigo de sucesso de Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos na voz volumosa de Nelson Gonçalves.
"A vontade de cantar existia, mas o pavor do público e a timidez eram maiores."
A música sem medo A música começa a despertar a menina Carmen a partir de 1964, início dos festivais de música popular. Mesmo com essas novas ondas e a Jovem Guarda("Tinha aquela despreocupação da juventude. Tudo era Jovem Guarda. Martelava-se muito e não tínhamos escolha. E nem estávamos preocupados com isso", confessa), zelava pelas melodias e harmonias das músicas das serestas e daquelas cantadas por suas irmãs.
A paixão pela música amadurece quando a estudante muda de Porangaba para Sorocaba, onde foi cursar Letras, em 1976. No fim desse ano, seu pai morre. A sobrevivência se dá por meio do emprego na Secretaria da Fazenda e das aulas de português e inglês que ministrava para alunos do 2º grau da rede privada. "Era uma opção, coisa de garota, eu sabia exatamente o que eu queria: ser professora. Fiz faculdade e dava aulas, não pensava em seguir carreira. Gostava de cantar, mas a timidez tinha seu espaço muito bem marcado. Mas para ser professora, não se pode contar com a timidez,. Eu dava aulas para alunos do curso noturno, a maioria adultos".
A caminho da São Paulo. Sorocaba é determinante na carreira de Carmen. Ali inicia primeiro como coralista e depois, estimulada pelo maestro Fábio Luz, enfrenta sua timidez em bares e boates acompanhada por seu professor de violão, Paulo. No repertório, músicas daqueles anos 70, dos jovens Luiz Melodia e Djavan, e de Vinicius de Moraes.
Em 1982, buscando fazer da música profissão, Carmen se muda para São Paulo. Estréia no Casinha Branca, bar que ficava na rua Humaitá e, pouco tempo depois, começa a cantar em outra casa, localizada no Largo do Arouche.
"Havia uma floricultura ali no Largo. Eu cantava quinta e sexta, até uma da manhã. Toda noite sempre tinha alguém que me dava uma rosa. A noite em que isso não acontecia, parecia que eu não havia cantado." Bom Motivo. Ainda no começo dos anos 80, Carmen conhece Roberto Lapiccirela, um amante da música brasileira que havia comprado um bar em Pinheiros, o Bom Motivo.
"Nesse bar mudei minha concepção de repertório. O Roberto inventava umas coisas. A cada fim de semana, focávamos um compositor brasileiro. Passávamos a semana inteira aprendendo músicas desse artista. Cantávamos Herivelto, Ataulfo, Geraldo Pereira, Noel Rosa etc., enfim, músicas dos anos 30 e 40, ou fazíamos um tema, sempre buscando a música mais antiga. Boa parte do meu repertório é formado de música antiga. E vem dessa época.
Flor da Paz - primeiro disco. No fim dos anos 80, Carmen Queiroz assumiu o posto da vocalista Carminha, uma das integrantes do Bando Flor do Mato – importante conjunto divulgador do folclore. Nessa época, em 1989, gravou seu primeiro disco-solo, Flor da paz. Independente, o álbum contou com o músico Vidal França, que revelou a inédita faixa-título e arranjou o repertório formado de sambas como “Sala de recepção” (Cartola), “Tom maior” (Martinho da Vila) e “Antonico” (Ismael Silva), folclore (“Beira mar”) e exemplares de João Bá (“O menino e o mar”), André Filho (“O meu amor tem”), Taiguara (“Teu sonho não acabou”) e Geraldo Vandré e Carlos Lyra (“Quem quiser encontrar o amor”).
A gente percebe uma certa imaturidade na forma de compor o repertório, mas não renego. Hoje o meu perfil se consolidou no samba. Foi o primeiro disco. Valeu. Ele me abriu alguns outros espaços, uma espécie de cartão de visitas profissional", confessa.
Voltaria aos estúdios em 1995, como integrante do Bando da Rua, para gravar duas faixas (“Evocação nº 1”, de Nelson Ferreira; e “Eu dei”, de Ary Barroso) do independente Antologia musical popular brasileira – As marchinhas de carnaval – vol. 1 (Bom Motivo). Além de Carmen, o grupo era formado por Maria Martha, Roberta Valente, Márcia Torres, Roberto Lapiccirella, João Lúcio, Josias Damasceno e Ney Mesquista.
Leite Preto.Três anos depois, assina com a gravadora CPC-UMES para registrar seu segundo álbum de carreira. Leite preto, lançado em 2000, arranjado e dirigido por Edmilson Capelupi, mostrou um repertório mais consistente que o disco de estréia. Além da faixa-título, composta especialmente para a cantora, por Roberto de Oliveira e Benê Zambonetti, figuram dentre outras, De volta ao samba (Chico Buarque), Carvão e giz (Luiz Carlos da Vila e Paulo César Feital), Emoção sincera (Sombra), Canto do meu viver (Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho) e Amante vadio (Nelson Sargento e Zé Luiz).
"Eu queria muito um segundo trabalho, mas uma coisa mais assentada. A preferência era tentar uma gravadora. Para gravar esse CD com a UMES, a conversação durou quase 2 anos. Eu vinha participando de shows no teatro da UMES e, depois de um deles, ficou essa promessa, Vamos fazer, vamos gravar. Eu fui levando até que finalmente gravamos."
Do meu jeito Voltou à gravação solo, alçando notoriedade e reconhecimento como mais uma grande intérprete do cenário musical brasileiro com o tão festejado cd Do meu jeito (produção independente), onde privilegia, além dos autores consagrados, outros menos conhecidos do grande público, alternando canções inéditas e regravações. O repertório, que também conta com arranjos de Edmilson Capelupi, um dos grandes violonistas brasileiro, vem assinado por Chico Buarque, Nei Lopes, Paulo César Pinheiro, Cláudio Jorge, Luiz Carlos da Vila, D.Ivone Lara e Délcio Carvalho, Silvio Modesto, Cabana e Norival Reis, Jacob do Bandolim, Roque Ferreira, Geraldo Pereira, Benê Zambonetti, Maurílio de Oliveira e Edvaldo Galdino (estes dois últimos componentes do já conhecido núcleo de compositores paulistas A Comunidade do Samba da Vela).