Um carioca nascido em 1913, em São Cristóvão, que começou a ganhar a vida aos 9 anos como pequeno jornaleiro, estabeleceu-se entre os mais importantes da MPB. Quase ninguém o conhece pelo nome de batismo, José Bispo Clementino dos Santos. Mas o apelido Jamelão - que ganhou na gafieira Jardim do Meyer, um dos muitos endereços de seu aprendizado de "crooner" - carimba desempenhos antológicos no samba-canção, partido - alto e samba-enredo, para citar apenas três territórios dominados pelo bronze cortante de sua voz. Um colega jornaleiro, o lendário compositor Gradim, amigo de Cartola e Carlos Cachaça, o apresentou na Mangueira, apesar dele ter iniciado a trajetória de sambista acompanhando a mãe, D. Benvinda, que saía na Escola Deixa Malhar, no Engenho Novo. O esperto moleque, então apelidado Saruê, ralou como operário antes de começar a escalada de cantor de gafieira. Além da mencionada Jardim do Meyer, passou pela Fogão, de Vila Isabel, Cigarra e Tupi. Entre os "dancings"(uma espécie de gafieira mais sofisticada com "taxi-girls", que picotavam o bilhete ao bailar com os clientes) soltou o gogó no El Dorado, Farolito, Avenida, Samba-Danças, Brasil e Belas Artes. Uma odisséia até começar a gravar no fim da década de 40, após vestibular em diversos programas de calouros do rádio (incluindo o célebre "Calouros em desfile", de Ary Barroso) e vencer um concurso da extinta Rádio Clube do Brasil, que finalmente e contratou por um ano. Até então, ele ainda lutava por um lugar ao som, contentando-se em substituir seu padrinho Onéssimo Gomes e até o rei da voz Francisco Alves.
Jamelão também demorou para decolar em disco, o que só aconteceria a partir de seu ingresso na gravadora Continental, onde gravou em 1954 um compositor iniciante, o Zé Keti (1921-1999) de "Leviana", incluído nessa seleção. Pouco depois, ele tomaria o carnaval com o hino em forma de samba "Exaltação à Mangueira"(Enéas Brittes/Aloísio Augusto da Costa), até hoje sinônimo da escola verde-e-rosa. E em 1956, daria uma interpretação altamente pessoal ao samba-canção "Folhas mortas" de Ary Barroso, outro grande sucesso popular que abriria sua carreira a uma dupla vertente de raro equilíbrio entre o romantismo e o ritmo. Antes do domínio completo do samba-enredo nos carnavais, Jamelão emplacava na folia belas melodias, como a de "Eu agora sou feliz", assinada junto com Mestre Gato. Da fossa pré-moderna do cronista Antonio Maria (1921-1964) em "Pense em mim"(nada a ver com o "hit" sertanejo) ao partido-alto emblemático "Quem samba fica", em parceria com o baiano Tião Motorista (1927-1996), Jamelão expandiu seus limites, escolado na diversidade de repertório habitual ao "crooner".
A afinidade com o cancioneiro de sentimentalismo dolorido de Lupicínio Rodrigues (1914-1974), geralmente escudado nos metais da Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, também balizou seu repertório. Nessa seleção entram do Dostoievski gaúcho "Esses moços (pobre moços)", "Homenagem", "Vingança" e "Dona divergência" (com Felisberto Martins), todos épicos da guerra conjugal tratados por Jamelão com contenção estilística e sem derramamento. Ele também brilha no afro-samba "Timbó"(Ramon Russo), repescado recentemente no disco de estréia do grupo Farofa Carioca, além dos sambas-enredo de esmerada confecção dos mangueirenses Padeirinho ("O grande presidente") e Nelson Sargento (com Jamelão e Alfredo Lourenço) e da dupla do Império Serrano, Silas de oliveira e Mano Décio da Viola ("Apoteose ao samba"). O catedrático Jamelão, mesmo mangueirense roxo, também é ecumênico em matéria de escolhas de samba.