Laboratório de invenções/intenções, a banda porto-alegrense chega para desvendar os segredos da transmutação. Assim como faz com a sucata que serve de percussão, o quarteto encontra maneiras incomuns para usar estilos e gêneros – reinventados a ponto de eventuais influências se tornarem irreconhecíveis.
Preste atenção em "Balão-de-vira-mundo", que ao invés de seguir de volta ao sertão nordestino de seus antepassados, vai mais ao sul e vira tango. Ou no coro de "Vila do ½ Dia", que mostra como o barroco Clube da Esquina pode combinar com o frescor da Praia do Cassino.
Conhecida do público, "Maria Augusta" retorna com novos arranjos, mais sofisticados. Uma das faixas do EP Embrulho Pra Levar, de 2006, é hit (talvez o maior, até agora) da Apanhador Só e conquista por sua construção: uma letra-refrão com quadrinha capaz de passar entre gerações ("Se por acaso tu disser que não me quer/Eu vou correndo arranjar outra mulher").
“Maria Augusta", aliás, não está sozinha ao propor a sensação de antiga trova popular ou de sabedoria ancestral. Isso é o mais surpreendente: a Apanhador Só coalhou o primeiro álbum com outras tantas reflexões valiosas. Alguns exemplos: "Um rei me disse que quem deixa ir tem pra sempre" ("Um Rei e o Zé"); "Não é o prédio que tá caindo/São as nuvens que tão passando" ("Prédio"); "O nosso amor, uma garrafa de vinho/Virando vinagre devagarinho" ("Peixeiro").
Cuidado, porém, com o que eles dizem. Essa filosofia de verdade-nas-coisas-simples volta e meia é apenas disfarce para uma visão muito mais irônica e desafiadora do mundo. Veja o caso de "Pouco Importa" e do desfecho de "Um Rei e o Zé". Ou do discurso sombrio que vem com a brisa litorânea de "Vila do ½ Dia" ("A coisa tá ficando preta/O céu já vai perdendo o azul"). "Peixeiro" alerta: "Fica encucada/Não sabe se eu falo sério ou palhaçada".
E não é apenas isso que torna o disco da Apanhador Só surpreendente. É verdade que as canções são fruto de longo trabalho de forja e lustre, polidas até atingir aquele ponto de assimilação quase imediata. É também verdade que são executadas e cantadas com primor, e que a assinatura de Marcelo Fruet na produção musical indica capricho. Mas essas mesmas canções sempre carregam um elemento estranho, algo que parece não se encaixar, e que faz com que Apanhador Só mude a cada audição.
Para conseguir esse resultado, contam ainda as colaborações de fora, como o jovem poeta gaúcho Diego Grando, o compositor Ian Ramil, e Estevão Bertoni, vocalista do Bazar Pamplona. A banda também recorre a uma série de objetos normalmente não usados como percussão – entre eles, furadeira, máquina registradora, pato de borracha e a roda de bicicleta, símbolo da Apanhador Só –, que relevam ouvidos atentos aos sons do mundo. Carina Levitan não mais acompanha a banda nos palcos, mas é a principal responsável pelos cacarecos levados ao estúdio.
No fim, é difícil classificar Apanhador Só, que tanto recorre à memória coletiva, como apresenta saídas experimentais impensadas. Alguns podem argumentar que é música pop, mas é apenas meia resposta. O que esses meninos fazem é música popular com espírito aventureiro.